Relatório do inquérito foi
enviado ao STF e aponta atuação para 'embaraçar' investigações da Lava Jato.
Lula, Dilma e Mercadante negaram todas as acusações.
Em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal
(STF), a Polícia Federal afirma que os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz
Inácio Lula da Silva, além do ex-ministro Aloizio Mercadante, atuaram para obstruir
as investigações da Operação Lava Jato.
A informação foi divulgada nesta segunda-feira (20)
pelo jornal "O Estado de S. Paulo" e confirmada pela TV Globo.
A conclusão do inquérito aberto para investigar a
atuação dos petistas foi enviada na última quinta-feira (16) pelo delegado da
Polícia Federal Marlon Oliveira Cajado dos Santos ao ministro Edson Fachin,
relator da Lava Jato no Supremo, e ao procurador-geral da República, Rodrigo
Janot.
No relatório, a PF sugere que Dilma, Lula e Mercadante
sejam denunciados criminalmente por obstrução de Justiça. Ao ex-ministro,
também é imputado o crime de tráfico de influência.
Como nenhum dos três detêm foro privilegiado, o pedido
é para que eles respondam aos supostos crimes na primeira instância da Justiça.
Em nota, a defesa de Lula afirma que a conclusão da PF
é "desprovida de qualquer fundamento jurídico" e acusa o delegado de
"perseguição" ao ex-presidente (leia a íntegra da nota ao final
desta reportagem).
Por telefone, o advogado Alberto Toron, que defende
Dilma, afirmou que o relatório "representa apenas a opinião do delegado
sobre os episódios investigados" e que a ex-presidente nega ter cometido
os crimes a ela imputados.
O advogado Pierpaolo Bottini, que defende Aloizio
Mercadante, disse que o ex-ministro recebeu com "surpresa" a
manifestação policial e que ele nega qualquer tentativa de obstruir as
investigações.
Indiciamento
Apesar de considerar que "o conjunto probatório é
suficiente" para imputar os crimes de obstrução de Justiça e tráfico de
influência (no caso de Aloizio Mercadante), a PF não os indiciou formalmente.
Segundo a TV Globo apurou, apesar de não ter indiciado
oficialmente os três, a PF entende que, na prática, todas as informações
enviadas e provas colhidas sustentam um eventual indiciamento no futuro.
Apesar disso, como não há um entendimento claro sobre
se a denúncia criminal deve ser apresentada à primeira instância da Justiça ou
ao STF, já que Dilma, Lula e Mercadante detinham foro privilegiado no período
em que os supostos crimes ocorreram, a Polícia Federal decidiu aguardar
manifestação oficial do ministro Edson Fachin sobre o assunto.
Relatório
Para a PF, ao nomear o ex-presidente Lula para a
chefia da Casa Civil no ano passado, a então presidente Dilma, em conjunto com
Lula, provocaram "embaraço ao avanço da investigação da Operação Lava
Jato". A nomeação foi, posteriormente, suspensa pelo ministro do STF Gilmar
Mendes.
"No tópico 'embaraço à investigação mediante a
nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva para a chefia da Casa Civil da
Presidência da República', também acreditamos haver suficientes indícios de
materialidade e autoria do crime [...] atribuível à Dilma Rousseff e Luiz
Inácio Lula da Silva, uma vez que ambos, de forma consciente, impuseram
embaraços ao avanço das investigações da Operação Lava Jato contra o
ex-presidente Lula em razão da sua nomeação para o cargo de ministro-chefe da
Casa Civil da Presidência da República", diz trecho do relatório.
"A nomeação de Lula caracteriza obstrução de
Justiça. [...] O conjunto probatório (contra Dilma, Lula e Mercadante) foi
suficiente", aponta o delegado da PF.
No caso de Mercadante, a PF também aponta o crime de
tráfico de influência. Ele foi gravado pelo então assessor do senador cassado
Delcídio do Amaral, Eduardo Marzagão, durante uma conversa em que teria
oferecido ajuda em troca do silêncio de Delcídio, para evitar que o senador
fechasse um acordo de delação premiada.
Para a Polícia Federal, essa conversa retrata
"embaraço à colaboração premiada do ex-senador Delcídio do Amaral".
No relatório, o delegado Marlon Cajado também afirma que Mercadante "atuou
de forma consciente para prejudicar acordo de colaboração premiada de Delcídio
do Amaral objetivando embaraçar o avanço das investigações da Operação Lava
Jato".
"[Há a] Existência da materialidade do crime de
tráfico de influência [...] com autoria de Aloizio Mercadante. [...] Vez que o
mesmo, a pretexto de desestimular o acordo de colaboração premiada de Delcídio
do Amaral, jacta-se de que utilizaria seu prestígio para costurar uma 'saída'
junto ao Senado Federal com o então presidente (do Senado) Renan Calheiros e o
advogado-geral do Senado, Bruno Dantas, e no Supremo Tribunal Federal, com o
ministro Ricardo Lewandowski e outros, de modo a conseguir a libertação de
Delcídio do Amaral", diz o relatório.
A Polícia Federal também investigou outro episódio que
também teria ocorrido com a intenção de obstruir a Justiça: a indicação do
ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas para o Superior Tribunal de Justiça
(STJ), que também envolveria o ex-presidente da Corte, ministro Francisco
Falcão.
De acordo com Delcídio do Amaral, o ministro teria
sido indicado para a Corte com o compromisso de conseguir a soltura de
empreiteiros presos pela Lava Jato.
Nesse caso, a PF sugere o desdobramento das
investigações, porque tanto Ribeiro Dantas quanto Falcão detêm foro
privilegiado no STF. O pedido do delegado é para que os dois ministros
continuem sendo investigados.
Relembre o caso
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu
ao STF abertura de inquérito no início de maio do ano passado para investigar a
então presidente Dilma, o ex-presidente Lula, o então advogado-geral da União
José Eduardo Cardozo; e o então ministro da Educação Aloizio Mercadante.
O pedido também incluía dois ministros do Superior
Tribunal de Justiça (STJ): Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e o então presidente
do STJ, Francisco Falcão.
Janot apontou que os seis eram suspeitos de suposta
obstrução à Justiça, por tentativa de atrapalhar as investigações da Operação
Lava Jato.
No pedido de abertura de inquérito, Janot mencionou a
nomeação de Navarro Ribeiro Dantas em 2015 e também a nomeação do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva para ministro da Casa Civil em 2016.
Em delação premiada, o senador Delcídio do Amaral
(ex-PT-MS) e seu ex-chefe de gabinete Diogo Ferreira disseram que Marcelo
Navarro foi nomeado para o STJ sob o compromisso de conceder liberdade a donos
de empreiteiras presos na Operação Lava Jato e que Francisco Falcão estaria
ajudando a nomeação a ser concretizada.
A nomeação de Lula passou a ser analisada a partir de
uma gravação autorizada e divulgada pelo juiz Sérgio Moro de uma conversa com
Dilma na véspera da posse. No diálogo, a presidente diz que enviaria a Lula um
“termo de posse”, para ser usado só “em caso de necessidade”.
Essa gravação foi anulada pelo ministro Teori
Zavascki, mas permaneceu nos autos outros documentos sobre a nomeação, como a
publicação em edição extra do “Diário Oficial da União”.
Delcídio também relatou que Cardozo, então ministro da
Justiça, fez diversas movimentações para tentar promover a soltura de presos da
Lava Jato.
O pedido de inquérito também citava uma gravação feita
pelo assessor de Delcídio, Eduardo Marzagão, na qual ele conversa com o então
ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Na conversa, Mercadante teria
oferecido ajuda em troca do silêncio de Delcídio, para evitar que o senador
fechasse um acordo de delação premiada.
O que disseram os citados
Lula
Leia a íntegra da nota divulgada pela defesa do
ex-presidente Lula:
É desprovida de qualquer fundamento
jurídico e incompatível com a decisão proferida no último dia 14/02/2017 pelo
Decano da Supremo Tribunal Federal, o Ministro Celso de Mello, nos autos do
Mandado de Segurança nº 34.690/DF, a conclusão apresentada pelo Delegado
Federal Marlon Oliveira Cajado dos Santos nos autos do Inquérito Policial nº
4.243, que também tramita perante o STF — afirmando, conforme notícias já
veiculadas pela mídia, “haver suficientes indícios de materialidade e autoria”
da prática do crime de obstrução à Justiça (Lei nº 12.850/2013, art. 2º, §1º)
em relação ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em virtude de sua
nomeação para o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da
República no dia 16/03/2016.
Celso de Mello foi claro em sua decisão ao
afirmar que “a investidura de qualquer pessoa no cargo de Ministro de Estado
não representa obstáculo algum a atos de persecução penal que contra ela venham
eventualmente a ser promovidos perante o seu juiz natural, que, por efeito do
que determina a própria Constituição (CF, art. 102, I, alínea “c”), é o Supremo
Tribunal Federal”.
Esse entendimento, no entanto, não vale
para Lula. No dia 20/03/2016, o ex-Presidente foi impedido de exercer o cargo
de Ministro de Estado a despeito de preencher todos os requisitos previstos no
artigo 87 da Constituição Federal.
O impedimento foi imposto por liminar
deferida pelo Ministro Gilmar Mendes, que mudou seu posicionamento de longa
data sobre a ilegitimidade de partidos políticos para impugnar esse tipo de ato
e acolheu pedidos formulados pelo PSDB e pelo PPS.
Agora um agente policial pretende
transformar em crime um ato de nomeação que cabia privativamente à então
Presidente da República Dilma Rousseff. Para chegar a tal conclusão, o agente
público recorreu à “mídia especializada em política”, mas deixou de apresentar
qualquer fundamento jurídico para sua manifestação.
Registra-se que carece de fundamento
igualmente a outra acusação contra Lula de obstrução à Justiça, aquela relativa
à suposta compra do silêncio de Nestor Cerveró.
Os depoimentos colhidos nessa
ação têm exposto a fragilidade da tese, principalmente considerando que o
próprio Cerveró desmentiu qualquer ação do ex-Presidente no sentido de retardar
sua delação.
O ato do Delegado Federal Marlon Cajado se
soma a diversas outras iniciativas de agentes públicos que perseguem Lula por
meio do uso indevido da lei e dos procedimentos jurídicos, prática
internacionalmente conhecida como “lawfare”.
Esperamos que o STF rejeite a proposta do
citado agente policial e aplique em relação a Lula o mesmo entendimento que é
destinado aos demais jurisdicionados.
Cristiano Zanin Martins
Dilma
Segundo o advogado da ex-presidente Dilma
Rousseff Alberto Toron, o relatório apresentado é uma peça administrativa
burocrática que representa apenas a opinião do delegado sobre os episódios
investigados. A ex-presidente Dilma Rousseff insiste não ter praticado nenhum
dos crimes sugeridos pelo documento.
Questionado sobre a referência do
relatório à nomeação do ex-presidente Lula à Casa Civil em março do ano
passado, o advogado lembrou a nomeação recente de Moreira Franco à Secretaria
Geral da Presidência, concedendo foro privilegiado ao ex-deputado, também
investigado na Lava Jato.
"[Nesta ocasião] O Supremo Tribunal
Federal não viu qualquer obstrução da Justiça e, de fato, não há. [...] Caso o
ex-presidente Lula fosse empossado, seria processado perante o Supremo Tribunal
Federal, que é um órgão de Justiça, não é a não-Justiça.
O foro não pode ser
visto como obstrução", afirmou Toron.
Mercadante
Leia a íntegra da nota divulgada pela defesa de
Aloizio Mercadante:
O ex-ministro Aloizio Mercadante recebe
com surpresa a manifestação policial no inquérito que apura gravações de
conversa que teve com o Sr. Eduardo Marzagão, assessor do então senador
Delcidio do Amaral.
Os diálogos não retratam qualquer tentativa de obstrução da
Justiça, mas um gesto de apoio pessoal. Nas conversas, Mercadante diz
expressamente que não interferiria na estratégia jurídica de Delcídio e nem na
decisão por eventual delação.
Sugeriu, apenas, que a defesa buscasse a
rediscussão da prisão do Senador junto ao Senado Federal, com absoluta
legalidade e transparência, uma vez que acreditava na ausência dos requisitos
para a detenção.
Mercadante reafirma que jamais intercedeu
junto a qualquer autoridade para tratar deste tema. Reitera que confia
plenamente na Justiça e no Ministério Público Federal, colocando-se, como
sempre, à disposição das autoridades para todos os esclarecimentos necessários.
Pierpaolo Bottini, advogado de defesa do
ex-ministro Aloizio Mercadante
Nenhum comentário:
Postar um comentário